Nacionalidade Portuguesa e Requisitos: pode o prazo para requerer a naturalização por tempo de residência ser aumentado?
- FIO Legal Solutions
- 29 de mai.
- 6 min de leitura
Atualizado: 30 de mai.

Introdução
Desde 2014, Portugal figura entre os países com políticas de integração de migrantes mais favoráveis, de acordo com o Migrant Integration Policy Index – MIPEX 2020, ocupando a sexta posição no acesso à nacionalidade. Este destaque deve-se, em parte, à legislação nacional que facilita o acesso à nacionalidade portuguesa como instrumento de integração.
Entre os mecanismos de aquisição da nacionalidade encontra-se a naturalização por tempo de residência, acessível a cidadãos estrangeiros que, à data do pedido, tenham residido legalmente em Portugal durante, pelo menos, cinco anos, e demonstrem conhecimentos básicos da língua portuguesa (nível A2).
No entanto, durante a campanha eleitoral para as legislativas de 2025, o partido integrante do Governo de gestão manifestou a intenção de propor uma alteração ao prazo atualmente exigido para a naturalização por tempo de residência, no sentido do seu alargamento.
Tendo esta força política recebido o maior número de votos nas eleições legislativas de maio de 2025, surgiram dúvidas legítimas quanto à possibilidade legal de alteração da Lei da Nacionalidade e sobre os eventuais impactos nas situações em curso.
Com este blogpost, pretendemos enquadrar o regime jurídico atualmente em vigor, analisar os mecanismos constitucionais e legais aplicáveis à alteração da Lei da Nacionalidade e avaliar a viabilidade e os limites de uma eventual modificação do prazo de residência legal exigido para a naturalização por tempo de residência
Enquadramento Legal da Nacionalidade Portuguesa
Nos termos do artigo 4.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), “são cidadãos portugueses todos aqueles que como tal sejam considerados pela lei ou por convenção internacional”. A privação da cidadania e quaisquer restrições à capacidade civil só podem ser impostas nos termos da lei e não podem ter fundamento político (art. 26.º, n.º 4, CRP).
A matéria da nacionalidade encontra-se regulada na Lei n.º 37/81, de 3 de outubro (Lei da Nacionalidade), que já sofreu diversas alterações legislativas – a mais recente em março de 2024 – refletindo o dinamismo histórico e político do país, bem como o reconhecimento de Portugal como um país de imigração.
A nacionalidade portuguesa pode ser adquirida:
por atribuição (o indivíduo será considerado português desde o momento do seu nascimento para efeitos legais, designada por nacionalidade original); ou
por aquisição (o indivíduo será considerado português apenas a partir do registo que declara que a concessão da cidadania portuguesa, designada por nacionalidade derivada).
A aquisição está subdividida em diversas formas, incluindo a naturalização, via amplamente utilizada por cidadãos estrangeiros residentes em Portugal.
Naturalização por tempo de residência: regras atuais
Nos termos do artigo 6.º, n.º 1 da Lei da Nacionalidade, a naturalização pode ser concedida a requerimento do interessado, desde que este cumpra cumulativamente os seguintes requisitos:
Ser maior ou emancipado à face da lei portuguesa;
Residir legalmente em território nacional há pelo menos cinco anos;
Ter conhecimento suficiente da língua portuguesa (nível A2);
Não ter sido condenado, por sentença transitada em julgado, a pena de prisão igual ou superior a três anos por crime punível segundo a lei portuguesa;
Não constituir perigo ou ameaça à segurança ou defesa nacional.
A redação atual resulta da alteração legislativa de 2018, que reduziu o período mínimo de residência de seis para cinco anos. Ainda em 2018, foi introduzida a possibilidade de considerar períodos interpolados de residência legal num total de cinco anos, desde que inseridos num intervalo de até quinze anos (art. 15.º, n.º 3).
Mais recentemente, em 2024, uma nova alteração (art. 15.º, n.º 4) passou a permitir a contagem do tempo de residência desde o momento do pedido de autorização de residência temporária, desde que este venha a ser deferido.
A naturalização é concedida, a requerimento do interessado, por decisão do Ministro da Justiça. A titularidade de boa-fé de nacionalidade portuguesa adquirida durante, pelo menos, 10 anos é causa de consolidação da nacionalidade, ou seja, da sua manutenção.
Este regime é coerente com boas práticas internacionais e visa promover uma integração efetiva dos estrangeiros residentes em Portugal, sendo por esta razão que Portugal ocupa a 6.ª posição no relatório Migrant Integration Policy Index | MIPEX 2020.

O aumento do prazo para a naturalização por tempo de residência é juridicamente viável?
Durante o período eleitoral, o partido do Governo manifestou a intenção de rever o prazo de residência legal exigido para a naturalização, invocando a necessidade de reforçar os critérios de ligação efetiva ao território nacional.
Tal proposta gerou inquietação entre residentes estrangeiros, sobretudo os que se encontravam a preparar pedidos de nacionalidade. Chegou mesmo a ser submetida uma petição pública à Assembleia da República, solicitando a salvaguarda de direitos adquiridos.
Contexto jurídico e político
Antes de mais, importa esclarecer que, apesar do resultado das eleições legislativas, ainda não há um Governo oficialmente formado. De acordo com a CRP; e como resume este projeto, o Presidente da República nomeia o Primeiro-Ministro, após a audição dos partidos que terão representação na Assembleia da República e tendo em consideração os resultados das eleições legislativas. O Primeiro-Ministro escolhido irá formar o seu Governo, propondo os seus membros ao Presidente da República, a fim de que sejam nomeados. A partir da formação do Governo, este poderá exercer as suas competências, dentre as quais estão a de criar legislação (função legislativa) e a de propor leis à Assembleia da República (iniciativa legislativa).
Limites ao poder legislativo em matéria de nacionalidade
Quanto à questão da nacionalidade, do ponto de vista jurídico, o Estado tem soberania para definir os critérios de aquisição da sua nacionalidade, conforme reconhecido em direito internacional. Porém, esta competência não é absoluta, devendo respeitar compromissos assumidos em sede de direito da União Europeia e no âmbito do Conselho da Europa.
O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), no caso Comissão vs. Malta, considerou que, embora os Estados-Membros tenham competência para definir os critérios de nacionalidade, essa competência deve ser exercida em conformidade com o Direito da União. O conceito de “comercialização da cidadania”, ou seja, a atribuição de nacionalidade sem uma ligação substancial ao Estado, foi rejeitado como contrário ao espírito dos Tratados da UE.
Já a Convenção Europeia sobre a Nacionalidade, de 1997, estabelece que os Estados devem prever a naturalização para quem resida legal e habitualmente no território, fixando um limite máximo de dez anos de residência como condição para esse efeito (art. 6.º, n.º 3).
Assim, uma eventual alteração que eleve o prazo de residência legal para além de dez anos seria incompatível com obrigações internacionais vinculativas para Portugal.
Processo legislativo para a alteração da Lei da Nacionalidade
Nos termos do artigo 164.º, alínea f) da Constituição, a matéria da nacionalidade é da reserva absoluta da Assembleia da República. Isto significa que o Governo não pode legislar diretamente através de decreto-lei, estando obrigado a apresentar uma proposta de lei à Assembleia da República, conforme o artigo 167.º da CRP.
O processo legislativo inclui:
Admissão da proposta pelo Presidente da Assembleia;
Parecer da comissão parlamentar especializada;
Discussão e votação na generalidade;
Discussão e votação na especialidade, em Plenário;
Votação final global (maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções – art. 168.º, n.º 5, CRP);
Envio ao Presidente da República para promulgação;
Referenda pelo Governo;
Publicação em Diário da República.
Importa notar que a naturalização por tempo de residência insere-se no regime de aquisição de nacionalidade, sendo por isso exigida lei orgânica, conforme o art. 166.º, n.º 2 da CRP.
Considerações Finais
A alteração do prazo de residência legal exigido para a naturalização é juridicamente possível, desde que seja respeitado o processo legislativo e os compromissos internacionais assumidos por Portugal, nomeadamente o limite máximo de 10 anos previsto na Convenção Europeia sobre a Nacionalidade.
Ademais, uma eventual alteração à Lei da Nacionalidade apenas seria aplicável aos novos pedidos, apresentados a partir da entrada em vigor da Lei.
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A atribuição da nacionalidade é uma competência do Estado, mas não é um espaço imune à lei. Estamos atentos às mudanças legislativas e disponíveis para proteger os interesses legítimos dos nossos clientes durante qualquer transição política ou alteração legislativa.
Por Emellin de Oliveira & Lidiane de Carvalho
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